Cruzei Campanhã e o Bonfim enquanto crescia, a janela de um 6ºandar com as ruas sem saída das avós, tias/os e primos/as. Dos percursos paralelos e simultâneos na psicologia comunitária e da criação artística encontrei respiração no que era o próximo do humano. Reconheci-me nos movimentos associativos e na ação cívica e política. Cruzei o ensino público com a educação não formal em Portugal, Brasil, França e Espanha. Insisti em encontros que me inspiram com Eugenio Barba, Augusto Boal, Carlo Bosso, Ademar Bianchi, Edith Scher, Sanjoy Ganguly e tantos outros com quem me surpreendo em cruzamentos inevitáveis todos os dias. Pelo meio, e pelo melhor, cocriei com artistas profissionais e não profissionais em prisões, centros comunitários, escolas, bairros sociais, onde me senti mais próximo da vida. Apresentamos espetáculos juntos em espaços públicos, fábricas e lotas, teatros nacionais e festivais, no Brasil e na China. Sonhei e concretizei com bons cúmplices a criação da Pele, do Núcleo de Teatro do Oprimido, da Nómada, de projetos experimentais no contexto de políticas públicas em Santa Maria da Feira. Cruzei o ensino superior, com workshops, conferências, residências, o ensino com a aprendizagem, o corpo com a palavra, a arte com a política. Construí formas de programar com os outros, curadorias múltiplas e diversas, espaço onde continuo a apreender como se faz. Cruzei a criação artística com o pensar sobre a mesma em consultadorias para municípios e projetos públicos e para as Fundações Calouste Gulbenkian e BPI / La Caixa. Ainda por esse meio, escrevi, como respiração para uma realidade confusa e opaca. Hoje continuo à procura de como me cruzar no mundo como ele é, de me aperfeiçoar neste ofício de misturar coisas e pessoas, sendo que para o fazer é essencial saber de onde elas vêm. O território onde me constituo é este – o do cruzamento.